Pe. Vitor
Hugo Mendes *
A necessidade de preparar adequadamente os educadores[1]
destinados à Formação Presbiteral é reconhecida pela Igreja. Tal urgência tem
sido freqüentemente reiterada[2],
sugerindo que para supri-la, promovam-se instituições que se prestem a esta
finalidade. Tais iniciativas, ainda que insuficientes, tem aumentado
significativamente buscando aprofundar a reflexão, sistematizar práticas e
orientar o caminho pedagógico da Formação
de Educadores.
Neste sentido, na especificidade de sua atuação, a Organização do
Seminários Latino-americanos – OSLAM, depois de promover, por ocasião de sua
XVI Assembléia, um dedicado estudo sobre O
Seminário – Formador de Pastores para a Nova Evangelização[3]
–, na seqüência, delineou mediante o seu Plano Global para o triênio (2000
– 2003), um programa de estudos sobre O
Formador do Seminário no Século XXI.
A perspectiva do trabalho a ser realizado tem em vista desenvolver o
perfil do ser e da missão dos educadores de Seminários,
Casas de Formação e Institutos, frente aos desafios do novo milênio.
Focalizando a pessoa do formador na área humana, espiritual, intelectual e
pastoral, como também sua missão desde o seminário, para a Igreja, no mundo,
ressalta-se a importância em delinear os elementos fundamentais no
desenvolvimento da pessoa do formador, bem como, indicar aspectos pedagógicos
específicos para a sua missão.
Neste contexto, o Documento da Congregação da Educação Católica,
oferece uma oportuna indicação: “a
vocação do educador implica, por um lado, um certo ‘carisma’, que se exprime
nos dons naturais e, da graça, e por outro, algumas capacidades e atitudes a
adquirir. Em todo o discurso sobre a sua personalidade será sempre considerado
este duplo aspecto: cada uma das características desejáveis de um bom educador
do seminário apresenta elementos, por assim dizer, inatos e, outros, que devem,
progressivamente amadurecer através do estudo e da experiência” (CEC, 1993 :
12, nº 25).
Considerando a temática que nos coube, queremos, nesta oportunidade,
refletir sobre o formador do Seminário no
século XXI, considerando algumas indicações para a dimensão humana, compreendida como processo contínuo de crescimento
e amadurecimento.
A dimensão humano-afetiva e a maturidade da pessoa
Como se sabe, o ser humano é uma unidade complexa, no entanto,
pedagogicamente, podemos especificar áreas que permitem uma aproximação
compreensiva desta totalidade. Neste sentido, a Pastores Dabo Vobis destacou e consagrou dimensões básicas a serem
consideradas na perspectiva de uma antropologia da vocação cristã e no
itinerário da educação da fé, caracterizando os elementos fundamentais da
dimensão humano-afetiva, espiritual, intelectual e pastoral.
Nunca será demais insistir na recíproca e necessária articulação
destas dimensões, pois, qualquer fragmentação ou exclusivismo poderá provocar
sérios prejuízos na definição de uma visão integral e integradora do ser
humano. Por sua vez, não podemos deixar de reconhecer um certo caráter de
prioridade da dimensão humana, quando se trata de estabelecer parâmetros de
referência no processo de desenvolvimento da pessoa[4]
e, por conseguinte, no de sua maturidade psico-afetiva[5],
pois tal aspecto, incide, diretamente, no que diz respeito ao processo de
maturidade vocacional[6].
De modo geral, a dimensão
humano-afetiva da pessoa – para além dos aspectos traumáticos e das motivações
infantis que sinalizam problemas no desenvolvimento –, compreende ainda
múltiplas determinações e inúmeras potencialidades de abertura, crescimento e
maturação de aspectos fundamentais na conquista de uma intencionalidade
consciente e responsável, particularmente, no que diz respeito ao processo de
individuação e socialização da pessoa.
O fato é que, a consciência de si – entendida como auto-conhecimento,
reciprocidade, integração e maturidade –, não é uma busca solitária, ou ainda,
uma conquista que se realiza a uma só vez, tão pouco, refere-se a um fenômeno
expontâneo. Neste sentido, o crescimento humano se mostra revestido de um certo
grau de tensão, ansiedade e crise, sem, no entanto, – quando devidamente
conduzido e acompanhado –, comprometer a dinâmica do processo, desestruturar o
sujeito ou provocar regressões na pessoa.
Compreender esse processo e administrar pedagogicamente suas mediações,
delimitando conteúdos, procedimentos e os recursos psicopedagógicos, são os
elementos fundamentais do processo educativo e, particularmente, o desafio a
ser enfrentado na formação dos educadores.
A pessoa do formador
As qualidades essenciais que se
supõem para a dimensão humana da pessoa do formador estão indicadas em um ideal
que se assenta, efetivamente, na pessoa de Jesus Cristo e, portanto,
remete-nos, necessariamente, ao processo de maturidade vocacional como
explicitação do humano em sua mais alta expressão.
Este aspecto fundamental da identidade cristã implica, sobremaneira,
uma adequada compreensão antropológica, segundo a qual “a graça supõe a
natureza”, e natureza devidamente desenvolvida e educada para a liberdade e o
dom de si. Neste sentido, como observam as Diretrizes
Básicas da Formação Presbiteral da Igreja no Brasil, “a maturidade
humano-afetiva, jamais alcançada definitivamente e sempre em processo de
amadurecimento”, (...) “é uma construção progressiva, em que a ação de Deus e a
liberdade humana se integram” (DBFPIB, nº 115 e 113).
Considerando este horizonte para a
dimensão humana, parece oportuno enfatizar que os documentos sobre a formação
presbiteral atribuem grande responsabilidade ao ministério dos formadores de
Seminário precisando algumas exigências a serem consideradas na sua escolha e
no desenvolvimento de sua missão.
Segundo a Optatam Totius, “a formação dos estudantes depende não apenas de
leis sábias, mas também e sobretudo de educadores idôneos”. Neste particular,
orienta o Decreto: “sejam, pois, os superiores e mestres dos Seminários
escolhidos dentre os melhores, diligentemente preparados por sólida doutrina,
adequada experiência pastoral e peculiar formação espiritual e pedagógica” (OT,
nº 05).
No que dispõe a Ratio fundamentalis instituitiones sacerdotalis, tem-se o reconhecimento da tarefa formativa como sendo
“uma arte que supera a todas as demais”, e que, por ser assim, “não admite um
modo de atuar improvisado e fortuito”, de maneira que, dos formadores, exige-se
possuir, “ademais das qualidades naturais e sobrenaturais, a devida preparação
espiritual, pedagógica ou técnica” (RFIS, nº30)
A Pastores Dabo Vobis retoma
o assunto e insiste na evidência de que, “grande parte da eficácia formativa
depende da personalidade madura e forte dos formadores, tanto sob o aspecto
humano como evangélico”. Chamando atenção para a “escolha cuidadosa dos
formadores” e dando a entender da necessidade de sua constante atualização, a
Exortação Apostólica, ao precisar a identidade dos educadores, ressalta: “a
tarefa da formação dos candidatos ao sacerdócio, certamente, exige, não só uma
preparação especial dos formadores, que seja verdadeiramente técnica,
pedagógica, espiritual, humana e teológica, mas, também, o espírito de comunhão
e de colaboração na unidade para desenvolver o programa, de modo que seja
salvaguardada a unidade na ação pastoral do Seminário (...). O grupo dos
formadores dê testemunho de uma vida verdadeiramente evangélica e de total
dedicação ao Senhor (...)” (PDV, nº 66).
As Diretrizes sobre a
preparação dos Educadores no Seminário, retomam
resumidamente, os vários elementos documentais já citados, oferecendo um elenco
sintético das qualidades requeridas na escolha dos educadores: “a necessidade
de possuir um forte espírito de fé, uma viva consciência sacerdotal e pastoral,
estabilidade na própria vocação, um límpido sentido eclesial, a facilidade de
contatos humanos, de ‘leadership’, um
amadurecido equilíbrio psicológico, emocional e afetivo, uma inteligência unida
à prudência e à sabedoria, uma verdadeira cultura da mente e do coração, a
capacidade de colaborar, o profundo conhecimento da alma juvenil e o espírito
comunitário” (CEC, nº 24).
Como se pode verificar, as
exigências requeridas na pessoa do formador são regidas por prescrições bem
específicas, evidenciando e urgindo em indicar a necessidade de um
desenvolvimento humano profundo e sistemático que se radicaliza no seguimento
de Jesus Cristo, alcançando um potencial pedagógico que se explicita na obra
educativa mediante uma presença humana e humanizadora.
Em suma, como propõem as Diretrizes
sobre a preparação dos Educadores no Seminário, “trata-se dum aspecto da
personalidade que é difícil definir em abstrato, mas que corresponde em
concreto à capacidade de criar e manter um clima sereno, de viver relações
amigáveis que exprimem compreensão e afabilidade, de possuir um constante
auto-domínio. Longe de fechar-se em si mesmo, o educador ganha interesse pelo
trabalho próprio e pelas pessoas que o circundam, bem como pelos problemas que
quotidianamente deve afrontar. Personalizando em certa maneira o ideal por ele
proposto, torna-se modelo a imitar, capaz de uma verdadeira ‘leadership’, e portanto de envolver o
educando no próprio projeto educativo”. (...) Um educador amadurecido possui
uma boa distância crítica de si mesmo, está aberto à aprendizagem, sabe acolher
as críticas e as observações e está disposto a corrigir-se. Só assim saberá ser
justamente exigente com os outros, sem esquecer a fadiga e os limites postos às
possibilidades humanas” (CEC, nº 33 e 34).
A formação humana do formador
Como já afirmamos, o
amadurecimento humano é uma tarefa que se estende ao longo de toda a vida, no
entanto, a identificação de algumas etapas e a definição de respectivos
critérios nos ajudam a delimitar a extensão, a intensidade e a modalidade de
intervenção educativa com que se deve desenvolver tal processo de crescimento.
Neste sentido, a formação humana do formador, ademais de sua
capacitação especificamente pedagógica, corresponde aos parâmetros da formação
presbiteral, delineados no que se convencionou chamar de formação inicial e formação permanente do Presbítero.
Sobre isso, não nos parece necessário retomar o que, sabiamente,
recomendam as mais diversas orientações eclesiais sobre a formação presbiteral.
No entanto, é preciso insistir que, a cada um destes momentos, ou seja, a
formação inicial e a formação permanente, corresponde uma tarefa peculiar
quanto à formação humana da pessoa do presbítero e, portanto, nesse momento, há
de se constituir a base fundamental da formação humana dos educadores –
formadores do Seminário.
Neste particular, a
formação presbiteral deve ser tal que, salvaguardado o dado do carisma, todo e
qualquer presbítero deveria estar a altura de se exercitar e colaborar na obra
educativa dos seminaristas, pois se supõe que, em nível pessoal, no decorrer do
processo formativo, tenha conquistado maturidade humana e cristã, capaz de
comunhão e participação no presbitério e na pastoral; autonomia e
responsabilidade na administração e organização do seu projeto de vida,
considerando o cultivo de sua espiritualidade, sua saúde física e psíquica, a
busca de sua formação permanente.
Sendo assim e concentrando-se no que concerne
à formação humana dos formadores, deve-se priorizar o alcance de uma
compreensão mais global de si e do outro,
de modo a integrar as diferentes dimensões de sua vida, responsabilizar-se por
suas opções e conferir autenticidade em suas atitudes. Tal investimento requer
personalização, acompanhamento sistemático e continuado exercício na dinâmica de crescimento pessoal, de modo
a permitir à pessoa confrontar, aclarar e administrar suas inconsistências,
minimizando, ao máximo possível, o seu grau de influência inconsciente. Trata-se,
não apenas de indicar o ideal da pessoa do formador, mas, principalmente, de
cultivar uma atitude de sensibilidade, cumplicidade e prudência, frente ao seu
desenvolvimento humano.
Bibliografia
Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB (1995) Diretrizes
Básica da Formação
dos
Presbíteros da Igreja no Brasil - DBFPIB.
Documento 55. São Paulo :
Paulinas.
Congregação da
Educação Católica – CEC (1993) Directrizes
sobre a Preparação dos
Educadores nos Seminários. Roma
JOÃO PAULO II
(1992) Sobre a Formação dos Sacerdotes – Pastores
Dabo Vobis (PDV).
São Paulo : Paulinas.
Normas Básicas de la Formación Sacerdotal
(1989) Ratio fundamentalis institutiones
sacerdotalis – RIFS. In: La Formación Sacerdotal. Documentos Eclesiales
(1965/1988). Bogotá :
Publicación del Celam y Oslam.
OLIVEIRA, J.L.M. e MENDES, V.H. (2000) XVI Assembléia da OSLAM. In: Encarte do
Boletim
da CNBB [nº 552].
PAULO VI
(1980) A Formação Sacerdotal – Decreto Optatam
Totius (OT). In: Compêndio
do Vaticano II. Rio de Janeiro : Editora Vozes.
RULLA, L.M.,
IMODA, F. e RIDICK, J. (1985) Estrutura
Psicológica e Vocação. São
Paulo : Edições Loyola.
* Especialista em
Psicopedagogia, Doutorando em Educação.
[1] O
termo “educador”, em sentido amplo, abrange todas as pessoas que, mais
diretamente, participam do processo educativo dos seminaristas, incluindo
formadores(as), professores(as) e especialistas de áreas diversas (direção
espiritual, psicológica, psicopedagógica, orientação de estudos). Este
esclarecimento é fundamental na definição do âmbito, importância e distinção
das competências de cada tarefa educativa. Neste trabalho pretendemos
especificar elementos pertinentes à pessoa do educador agindo em formação no
Seminário, na maioria das vezes, presbítero, o que explica a opção pelo termo
“formador” .
[2]
Tais questões, sobre a importância e a necessidade em providenciar a
devida Formação de Educadores, podem ser referenciadas a partir do
Vaticano II, no Decreto Optatam Totius
(1965), na Ratio fundamentalis
instituitiones sacerdotalis (1970) e, mais recentemente, sobretudo, na Pastores Dabo Vobis (1992), a partir da
qual a Congregação da Educação Católica (dos Seminários e dos Institutos de
Estudo), organizou o Documento Diretrizes
sobre a preparação dos Educadores nos Seminários (1993).
[3]
Sobre a realização da XVI Assembléia, conferir as conclusões dos trabalhos
apresentados no Boletin OSLAM, nº 37
(2001) e, ainda, a síntese de Oliveira e Mendes, 2000.
[4] O
desenvolvimento humano é um processo global que abrange todas as fases da vida.
Jamais a pessoa estará pronta pois o ser humano é um caminho aberto para Deus,
amor sem medidas! São Paulo chega a dizer que devemos ter a “estatura de
Cristo”. Com esta compreensão de pessoa, em constante crescimento, avaliar o
grau de maturidade tornou-se um tema polêmico, pois, em se tratando de pessoa,
dois mais dois nunca serão quatro. Ocorre, no entanto, que com o auxílio das
ciências humanas, particularmente da psicologia e da psicopedagogia, hoje, já é
possível estabelecer alguns parâmetros de crescimento, amplamente considerados
no campo educativo em geral.
[5]
“Na psicologia, o processo de maturação é muitas vezes apresentado em termos de
integração entre os vários componentes da personalidade. É maduro aquele que
assume, num projeto de vida, livremente escolhido, todas as forças dinâmicas da
sua personalidade, conscientes e inconscientes. O mesmo vale para a maturidade
vocacional, que é apresentada como integração entre maturidade afetiva e
maturidade espiritual. Esta é a idéia fundamental expressa pela noção de consistência entre as necessidade
emotivas e os valores espirituais. A internalização dos valores é precisamente
o processo de maturação que permite integrar dentro de um sistema de motivações
consistentes os novos valores vocacionais apresentados no decurso da formação”
(Rulla et alii., 1985 : 16).
[6] Sobre isso, a Pastores
Dabo Vobis ressalta que, “sem uma oportuna formação humana, toda a formação
sacerdotal ficaria privada do seu necessário fundamento” (nº 43); e, mais, “a
própria formação humana, se desenvolvida no contexto de uma antropologia que
respeite a totalidade da verdade sobre o homem, abre-se e completa-se na
formação espiritual” (nº 45).
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