domingo, 30 de abril de 2017

PODER É A CAPACIDADE DE INFLUENCIAR POR MARIA EMÍLIA BOTTINI



PODER É A CAPACIDADE DE INFLUENCIAR
Maria Emília Bottini[i]


Reencontrei, após longos trinta e tantos anos, a Professora Noeli Gomes dos Santos, mestra nos idos da adolescência lá no Erechim (RS). Meu Ensino Médio foi no Instituto Barão do Rio Branco, uma escola anglicana. Essa escola hoje segue firme e forte com seus valores e com qualidade na educação, algo raro nos atuais dias de um país que ainda mantem índices sofríveis de analfabetismo e má educação.
A Professora Noeli era esposa do reverendo Almir da igreja Anglicana que está localizada ao lado da escola. Meu curso foi técnico em contabilidade, uma escolha justificada pelo medo de não poder continuar estudando ou mesmo não fazer faculdade, pois as condições econômicas da minha família não eram das melhores. O curso técnico me traria uma profissão e o sustento na fase adulta. Não sou boa em matemática, mas aprendi muito e fui até o final.
Fui aluna da Professora Noeli tão somente um ano, talvez um semestre, mas suas aulas tinham o propósito de nos fazer pensar; ela nos provocava fazendo perguntas inteligentes, ouvíamos músicas como: Pra não dizer que não falei das flores, Canção da América, Horizontes, Coração de estudante entre outras. Líamos textos de Frei Beto, Rubem Alves e Leonardo Boff.
Eu fazia capa para os trabalhos que lhe entregava. Um deles foi sobre menores abandonados, esse marcou na memória do vivido. Sempre gostei de arte, lembro de coletar uma imagem de um garoto dormindo envolto em papelões, provavelmente no frio da capital gaúcha. Ao redor desta imagem colei vários rostos humanos, os picotei com as mãos, não usei tesoura. Não lembro o que desejava com tal imagem, mas rememorando me dou conta de que em mim já morava a crítica social que me acompanha até hoje.
Passaram-se longos anos desde então e ainda em nossas cidades brasileiras, crianças, adolescentes, adultos e velhos vivem nas ruas e muitos rostos a olhar a cena, assim como a imagem denunciava. Parece-me que algumas coisas se perpetuam e por vezes sem solução a curto prazo, talvez nem a longo. A música “Jornais” do grupo gaúcho Nenhum de Nós, denuncia “A calçada não é casa, não é lar, não é nada...Nada mais do que um caminho que se passa. A calçada não é cama não é berço não é nada”.
Era apenas a capa do trabalho, mas era muito mais que isso. Era minha forma de enxergar as coisas que estavam sendo trabalhadas nas aulas da professora que nos fazia refletir para além da disciplina de religião que sempre foi ecumênica, ou mesmo nos fazia discutir sobre problemas do Brasil com Organização Social e Política do Brasil (OSPB).
Depois da formatura, não a vi mais, soube que tinha se mudado para Brasília. Dia desses tentei encontrá-la. A reencontrei rapidamente nas redes sociais e em seguida pessoalmente, já não mora na capital, mas sim próximo dela.
Nosso abraço foi longo e demorado, nossa conversa ainda precisa de muitas horas para colocar em ordem o lapso de tempo que nos separou.
O que fica é a certeza de que um bom professor faz a diferença na vida de um aluno, o marca de forma positiva com seu exemplo, com sua trajetória e forma de pensar.
Noeli fez a diferença na minha vida, pois ao me ensinar pensar abriu possibilidades para que eu pudesse pensar meus próprios pensamentos e fazer meus próprios voos.
Gratidão é o meu sentimento por nossos caminhos terem se cruzado novamente.
Sigamos nossos aprendizados agora não mais como aluna e professora, mas na condição de amigas, que muitas lições pode nos ensinar, se desejarmos aprender.
 
[i]Psicóloga da Clínica Ser
Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF)
Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB)
Autora do livro No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer
 

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