Terapia Comunitária Integrativa: do
individual para o grupal – eis o desafio!
Maria Henriqueta Camarotti [1]
A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) é uma abordagem em
grupo e como tal é centrada e tem como objetivo, o grupo. Neste capítulo vamos aprofundar o
paradigma grupal e como este se intersecciona com a prática dessa metodologia.
Trata-se de uma reflexão sobre a passagem do olhar terapêutico do individuo
para o coletivo, percebendo o grupo como alvo da metodologia da TCI.
Para iniciar nossa reflexão, entendemos que para perceber a
Roda de TCI como uma abordagem grupal é imprescindível que o terapeuta
comunitário absorva o processo de forma inteira, tendo começo, meio e fim,
entendendo a metodologia em todas suas etapas. Sem essa visão fica muito difícil
e até sofrido para o terapeuta acompanhar os depoimentos dos participantes e
ter, ao mesmo tempo, que fazer fluir a metodologia adotada. Por que acreditamos
ser esse processo difícil? Porque ele, o terapeuta, vai ficar sempre no dilema
entre concentrar sua atenção nas pessoas que estão expondo suas dificuldades e
ao mesmo tempo não perder de vista o grupo como um todo.
Segundo Jorge Ponciano Ribeiro, gestalterapeuta estudioso do
grupo psicoterapêutico (1994), o grupo é transformador, sempre muito maior que
a soma de seus membros. Sobre isso, este autor afirma que “O grupo é um fenômeno cuja essência reside no seu poder de
transformação, no seu poder de escutar, de sentir, de se posicionar, de se
arriscar a compreender o processo de significação do viver e do responsabilizar-se”
(1994, p.10). Na prática percebemos que tanto o grupo psicoterapêutico quanto o
terapêutico tem mais força no empoderamento das pessoas, pois seus membros,
todos juntos, buscam a compreensão do mistério humano, dos sentimentos mais básicos
de nossa existência: dor, raiva, angústia, alegria, amor, medo, tristeza. No
grupo aprendemos que todos somos diferentes mas,
ao mesmo tempo, próximos em nossas essências.
Nas formações em TCI se faz necessário conceituar grupo, seus
alcances e possibilidades. Pautada na visão do grupo trazida pelo Mestre
Ponciano, sempre acho importante clarear o diferencial entre os conceitos de terapia em grupo, terapia de grupo e terapia
do grupo (RIBEIRO, 1994). Nós compreendemos que na terapia em grupo as pessoas
participam do grupo, mas podem ser
trabalhadas individualmente ou em subgrupos. O terapeuta pode realizar abordagens
direcionadas a uma pessoa na presença dos demais componentes do grupo. O
objetivo da terapia em grupo é focar
na pessoa mais mobilizada naquele dia, recorrendo aos demais participantes como
forma de suporte ou continente para a pessoa trabalhada.
Na terapia de grupo, acontecem trocas e
aprendizados uns com os outros, ainda numa perspectiva do individual para o
individual ou mesmo do individual para o grupal ou de terapeuta para o
individual ou grupal. Nessa situação, todos são vistos como partes que formam
um todo.
Enquanto que na terapia do grupo, o alvo e interesse
das ações estão voltados para o grupo. O “cliente” é o próprio grupo. O terapeuta
tem como objetivo fazer com que o grupo evolua na direção da expansão da
consciência sobre seus problemas e sobre suas soluções. Há uma certeza interna do
terapeuta de que se ele for fiel à necessidade e soluções que emergem do grupo,
ele alcançará um ritmo harmônico na caminhada de todos. Na terapia do grupo, o grupo existe como uma configuração única,
formada por inúmeras partes indissociáveis e que o todo será sempre maior do
que a soma das partes. Nesse formato
todos vêem a si mesmo e ao mundo com olhar do outro.
Como o mote desta reflexão é compreender a Terapia
Comunitária Integrativa como um grupo, afirmamos baseados na compreensão dessa
metodologia, que ela seja uma terapia do grupo. Os terapeutas, mobilizados pelos ensinamentos da formação e, por
sua prática, vão absorvendo progressivamente o paradigma grupal, facilitando,
desta forma, a passagem das questões individuais trazidas pelos participantes
para o tecido grupal que começa a ser confeccionado suavemente. Os temas colocados
nas Rodas são portas de entrada para o trabalho grupal, verdadeiros gatilhos da
consciência do grupo.
Para ajudar na construção do paradigma grupal, vamos
apresentar a seguir as etapas ou momentos da Roda da TCI em que se verifica
claramente a passagem do individual para o grupal. Este salto paradigmático evidencia
que a sequência metodológica tem o objetivo de acessar a dimensão coletiva do
grupo, entendendo que este é o nosso foco e “cliente” a ser acolhido. A seguir
são descritos os momentos em que esse fenômeno acontece:
1- Organização do espaço: Na Terapia Comunitária Integrativa as cadeiras são organizadas em
circulo. Esta configuração facilita a
proximidade dos participantes e a horizontalidade do processo; promove a
igualdade de participação e o respeito ao diferente; finalmente, convida a
todos para um diálogo intimo e respeitoso. Quando posicionados em círculo cada
pessoa se percebe integrada ao outro e disponível para a troca. Este é o primeiro passo para a formação do “Ser
Grupal”.
2-
Acolhimento e dinâmica: quando os participantes são
acolhidos dentro de um clima caloroso, estimula-se a quebra das resistências e
dos medos, todos são iguais nas suas comemorações, todos podem brincar e se
aproximar livremente. Podemos afirmar que esta etapa seja o segundo passo para a construção do “Ser
Grupal”.
3- Escolha do Tema:
nesta etapa os participantes são livres para escolher o tema, fazendo conexão
com algo que está vivo dentro deles – suas historias de vida. A proposta de
dizer o porquê daquela identificação leva ao acionamento dos arquivos antigos que
são colocados à disposição do inconsciente do grupo. Nesse momento cada pessoa
busca em si mesma a razão daquela escolha. ”Eu
escolho o tema tal porque fiquei muito tocada ou porque minha família já passou
por isso...”. Na votação, o grupo escolhe o tema entre os propostos na Roda
e, pela experiência, percebemos que na maioria das vezes o grupo elege o tema
que mobiliza a todos e que proporciona inúmeros depoimentos na fase de
compartilhamento. Entendemos que os participantes votam no tema que mais tem a
ver consigo mesmos, aquele que toca sua história de vida. Eis aqui o terceiro passo para a formação do “Ser
Grupal”
4- Nas Perguntas, durante a Contextualização: o tema trazido pela pessoa
escolhida mobiliza a busca de compreensão das vivências de cada um. Incrível
perceber que os participantes fazem as perguntas para si mesmo; perguntam sobre
suas dúvidas, seus conflitos. Quando um comunitário elabora sua pergunta ele
está percorrendo um caminho dentro de si mesmo, se interrogando sobre seus próprios
dilemas. As perguntas feitas pelo grupo evidenciam o quarto passo para a formatação do “Ser Grupal”.
5-
Na Problematização ou Compartilhamento
de Experiências: ao
responder a indagação através do Mote, o grupo, através dos depoimentos, se
consolida em torno de um tema, cada pessoa vai ampliando o tema na sua
perspectiva, mas sem perder o elo de conexão com todos. Nesse momento acontece
o ápice da transmutação, do que a principio eram questões individuais, para um
somatório muito mais que a soma das partes. Este é o quinto passo para o “Ser Grupal”, que se torna mais forte, mais
consolidado.
6-
No encerramento: quando os participantes contribuem
com a conotação positiva e respondem a pergunta “O que estou levando daqui?”, eles estão sintetizando para si toda
substância vivenciada no grupo. Cada participante se conscientiza do feixe de
possibilidades trazido e levado por todos. O comunitário, que já peneirou as
opções que lhe soaram familiares, partilha suas pérolas com o grupo, reforçando
a rede grupal já tecida nas várias etapas anteriores. Na conotação positiva, ele
admira o que o grupo construiu e leva para si a resultante dessa construção
coletiva; deixa consolidado o formato grupal ao se relacionar com suas alianças
afetivas, que lhes conferem unidade e identidade. Esta finalização representa o sexto passo para este “Ser Grupal”.
Em todos esses momentos o
fenômeno vivenciado deixa de ser pessoal e passa a ser coletivo. Muito
interessante refletir que as partes estão no todo e que o todo é maior do que a
soma das partes. Nesse aspecto ressaltamos a importância do Pensamento
Sistêmico como um dos pilares da TCI. Podemos afirmar que cada etapa do
desenvolvimento da TCI contém a essência da grande Roda, saindo da lógica
individualista, sectária, para a lógica coletiva, sistêmica. Reafirmamos que no
final da sessão teremos alcançado um resultado que representa bem mais do que a
soma dos aprendizados individuais e que com certeza, uma vez introjetado por
todos, reverberará aos familiares e a rede comunitária, formando assim a
resiliência comunitária.
Quais serão as ações e características
do terapeuta comunitário que facilitam a construção do Ser Grupal?
Primeiramente podemos dizer que construir uma configuração de grupo requer
abertura e segurança naquilo que se faz. A seguir citamos algumas ações ou
características que os terapeutas comunitários deverão apresentar para tornar a
Roda de TCI uma terapia do grupo:
1-
Compreender
tranquilamente e sem reservas que a TCI é uma terapia do grupo;
2-
Repassar
nas oportunidades a segurança de que no transcorrer do grupo todos irão ter a
resposta que precisam. É imprescindível para o terapeuta, ter a certeza interior para ser convincente diante do grupo e não
ficar dividido quando alguém esteja querendo falar demais mesmo que seja de uma
dor pessoal intensa;
3-
Trabalhar suas próprias aflições e dificuldades
e sempre que algum tema mobilize suas emoções, buscar aprender com o grupo e a perceber
outros ângulos de sua própria questão (“só reconheço aquilo que conheço”);
4-
Ter
tranqüilidade quando for necessário retomar o ritmo das etapas metodológicas,
tendo que interromper a fala de um participante ou lembrar as regras da Roda.
Quando ele toma essa decisão, estará
calcado na certeza de que a sequência das etapas construirá uma gestalt[2] muito
terapêutica e beneficiadora para as questões de todos;
5-
Repetir
como num ritmo musical as perguntas ou as orientações referentes a cada etapa.
Por exemplo, repetir o Mote a cada uma ou duas partilhas; repetir a pergunta “e
eu, o que estou levando daqui ?” quando no momento da finalização. Muitas vezes
os participantes se distraem, podendo trazer novos assuntos ou novas demandas o
que provocaria a dispersão do grupo como um todo;
6-
O
terapeuta comunitário precisa estar com as rédeas da metodologia em suas mãos.
Ele não escolhe os temas e nem as pessoas que vão falar, mas cuida para que
todas as etapas se completem, fechando o círculo formador do Ser Grupal. Se os
componentes da roda não se pronunciarem, entender que o silêncio também é
linguagem de comunicação.
Refletindo sobre a Roda
da TCI como uma terapia do grupo, é
importante falar um pouco sobre a formação dos terapeutas comunitários.
Normalmente,
durante as formações, os alunos trazem uma preocupação sobre como curar ou resolver
os problemas daquela pessoa específica que colocou o tema. Muitas vezes o
terapeuta em formação fica ligado naquela pessoa, se mobilizando pelos
sentimentos de compaixão. Se isso acontece, o terapeuta não consegue fluir
naturalmente nas demais fases da metodologia. Esta postura entrava a fluidez
das etapas e, consequentemente, o processo de
passagem do individual para o grupal é comprometido. Nessas circunstâncias,
todo processo pode ficar prejudicado e como as etapas não fluem, o grupo não
recebe os benefícios esperados.
Quando o terapeuta em
formação acredita na mágica da gestalt
da Roda, do começo, meio e fim, esse fenômeno permite acolher as necessidades
de todos e todos receberão do grupo na medida de sua necessidade real e não do
seu desejo. Essa compreensão sintoniza com os princípios de Platão[3] que
orienta aos mestres fornecer às crianças e aos jovens o que eles precisam e não
o que eles desejam. Esse princípio promove a distribuição equânime dos recursos
e potencializa a circulação do acolhimento entre as pessoas. Entendemos que os
princípios da TCI nos fortalecem a compreensão de que, num grupo de pessoas,
todos ganham quando os recursos pessoais e coletivos são colocados à disposição
de todos e partilhados na medida de suas necessidades.
Quando as Rodas da TCI
vão acontecendo sistematicamente nas comunidades, os participantes vão
incorporando, de forma até inconsciente, a segurança de que eles vão ser
beneficiados se a seqüência metodológica acontecer de forma harmônica e dentro
dos tempos previstos. Temos percebido que logo após a implantação das Rodas, as
pessoas ficam ansiosas para falar muito de suas questões, pois estão apegadas
ainda ao paradigma do seu problema individualmente. Na evolução do processo, os
participantes vão adquirindo confiança e muitas vezes ajudam aos terapeutas a
dar seguimento às etapas. Este é um processo lindo de ver os próprios
comunitários acreditando na mágica encantadora da Terapia Comunitária
Integrativa.
Comentários Finais:
} Sem dúvida a Roda de TCI é uma terapia do Grupo
} Todas suas etapas convergem para criar um ambiente propício à construção
do Ser Grupal
} Muito importante que o formador tenha certeza desse princípio para transmitir
esta convicção aos formandos.
Bibliografia
PRATES, C. Entenda
a diferença entre Terapia Comunitária e Psicoterapia http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2010/11/05/entenda-a-diferenca-entre-terapia-comunitaria-e-psicoterapia.htm
RIBEIRO, J. P. Gestalt Terapia: O
Processo Grupal. 3ª Ed. São Paulo: Editora Summus. 1994.
[1] Neuropsiquiatra, mestre em psicologia, gestalterapeuta, terapeuta
comunitária e presidente do MISMECDF
[2] Configuração
[3] Filósofo e matemático grego que viveu nos séculos V a IV AC. Criou
a Academia em Atenas e ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da
ciência e da filosofia ocidental.
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